O Brasil encontra-se em um momento de complexidade em sua política externa e relações comerciais, enfrentando desafios em múltiplas frentes. Recentemente, o país foi surpreendido pela imposição de novas tarifas pela Venezuela, formalizou sua adesão a um processo na Corte Internacional de Justiça (CIJ) contra Israel, e lida com a iminência de novas taxações sobre suas exportações pelos Estados Unidos. Esses eventos, embora distintos em sua natureza, convergem para um cenário de intensas negociações diplomáticas e impactos econômicos potenciais.
Tensões Comerciais com a Venezuela: O Acordo Ignorado e Seus Impactos
No final de julho de 2025, o governo venezuelano anunciou a aplicação de tarifas de importação que variam entre 15% e 77% sobre produtos brasileiros. Essa medida, que entrou em vigor sem aviso prévio, contraria um acordo comercial firmado entre os dois países em 2014, que previa isenção tarifária para mercadorias com certificado de origem. A decisão pegou de surpresa empresários brasileiros, especialmente aqueles com forte atuação no comércio transfronteiriço.
O Contexto do Acordo Desrespeitado: O acordo de 2014 visava facilitar o fluxo comercial entre Brasil e Venezuela, um parceiro histórico, especialmente para estados da região Norte, como Roraima. A isenção de tarifas era um pilar fundamental para a competitividade dos produtos brasileiros no mercado venezuelano e vice-versa. A Venezuela, em particular, é um destino relevante para produtos como farinha, cacau, margarina e cana-de-açúcar, que em 2024 somaram exportações de US$ 144,6 milhões, segundo dados compilados por entidades do setor. A retomada unilateral da cobrança de impostos representa uma quebra de confiança e um obstáculo significativo para os exportadores.
Impacto em Roraima e Reações no Brasil: Roraima, por sua proximidade geográfica e histórica, mantém uma relação comercial robusta com a Venezuela. A imposição das novas tarifas afeta diretamente as exportações do estado, gerando preocupação entre produtores e comerciantes locais. A Federação das Indústrias de Roraima (FIER) e a Câmara de Comércio Brasil-Venezuela foram rápidas em manifestar sua apreensão e buscar esclarecimentos. A incerteza reside em saber se a mudança decorre de uma falha burocrática ou de uma decisão política deliberada do governo venezuelano.
Em resposta, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e a Embaixada do Brasil em Caracas foram acionados para tentar reverter a decisão. Diplomatas brasileiros estão em contato com autoridades venezuelanas para compreender as motivações por trás da medida e buscar uma solução que restabeleça as condições comerciais anteriores. Até o momento, o governo venezuelano não apresentou uma justificativa oficial para a imposição das tarifas, o que adiciona uma camada de complexidade às negociações. A ausência de um posicionamento claro por parte de Caracas dificulta a formulação de uma estratégia eficaz por parte do Brasil para mitigar os prejuízos e restaurar a estabilidade comercial.
Jornal dos Bairros. “Venezuela impõe tarifas de até 77% sobre produtos brasileiros e ignora acordo comercial”. Disponível em: https://www.jornaldosbairros.tv/noticia/83236.
A Posição Brasileira na Corte Internacional de Justiça: Um Marco Diplomático
Em um movimento de grande repercussão internacional, o Brasil anunciou formalmente sua adesão ao processo movido pela África do Sul contra Israel na Corte Internacional de Justiça (CIJ), que acusa o Estado israelense de cometer genocídio na Faixa de Gaza. A decisão do governo brasileiro, comunicada pelo Itamaraty, posiciona o país em um debate jurídico e humanitário de alta sensibilidade global.
O Processo na CIJ e a Convenção do Genocídio: A ação sul-africana na CIJ baseia-se na Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, um tratado internacional de 1948 do qual tanto a África do Sul quanto Israel são signatários. A convenção define genocídio como atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. A África do Sul argumenta que as ações militares de Israel em Gaza, desencadeadas após os ataques de 7 de outubro de 2023, constituem violações desta convenção.
A adesão do Brasil ao processo significa que o país apresentará uma “intervenção formal” na Corte, expressando sua posição jurídica e contribuindo com argumentos e evidências para o caso. O chanceler Mauro Vieira já havia sinalizado essa intenção em entrevistas anteriores, destacando o compromisso do Brasil com o direito internacional humanitário e a proteção dos direitos humanos.
CNN Brasil. “Brasil vai aderir a processo que acusa Israel de genocídio em corte da ONU”. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/brasil-vai-aderir-a-processo-que-acusa-israel-de-genocidio-em-corte-da-onu/
Ameaça de Tarifas pelos Estados Unidos: Um Cenário de Incerteza Econômica
Paralelamente aos desafios com a Venezuela e Israel, o Brasil enfrenta a ameaça de novas tarifas de até 50% sobre suas exportações para os Estados Unidos, com previsão de entrada em vigor em 1º de agosto. Essa possível taxação, anunciada pela administração norte-americana, é um ponto de grande preocupação para o comércio exterior brasileiro, dado que os EUA são o segundo maior parceiro comercial do Brasil.
Motivações e Impactos Potenciais: As informações disponíveis em veículos de imprensa indicam que a imposição dessas tarifas pelos EUA estaria supostamente relacionada a processos judiciais em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) no Brasil, envolvendo figuras políticas. Essa motivação, se confirmada oficialmente, representa uma abordagem incomum em disputas comerciais, que geralmente se baseiam em questões econômicas ou de concorrência desleal.
O “tarifaço”, como tem sido chamado, pode afetar diversos setores da economia brasileira. Em 2024, os EUA compraram US$ 40,368 bilhões em produtos brasileiros, com destaque para “produtos semi-acabados, lingotes e outras formas primárias de ferro ou aço”, dos quais o Brasil é o segundo maior fornecedor para os EUA. Setores como o de pescados e cítricos já começam a sentir os efeitos da incerteza, com relatos de cancelamento de compras e preocupação com a competitividade. A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) e outras entidades do agronegócio também monitoram a situação de perto.
Negociações e Perspectivas: O governo brasileiro tem buscado o diálogo com as autoridades americanas para evitar a aplicação das tarifas. Brasília enviou cartas com propostas de negociação para Washington, mas, segundo fontes da imprensa, não obteve retorno. A postura dos EUA, que teriam indicado um “too late” (tarde demais) para as conversas, sugere uma inflexibilidade que preocupa os exportadores brasileiros.
A equipe econômica do Brasil estuda um plano de contingência para responder às tarifas, caso sejam efetivadas. Entre as medidas consideradas, estariam a suspensão de royalties audiovisuais da indústria cinematográfica e musical, e a tributação de dividendos remetidos por filiais brasileiras de multinacionais americanas às suas matrizes. No Congresso Nacional, senadores e deputados expressaram preocupação e debatem possíveis reações, defendendo uma postura firme e diplomática. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) e outras associações empresariais também alertam para os riscos de uma guerra comercial e seus impactos na economia global.
Agência Brasil. “Produtores brasileiros começam a sentir efeitos da taxação dos EUA”. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2025-07/produtores-brasileiros-comecam-sentir-efeitos-da-taxacao-dos-eua
Análise e Implicações para a Política Externa Brasileira
Os três cenários – tarifas venezuelanas, posicionamento na CIJ e ameaça de taxação pelos EUA – ilustram a complexidade e os desafios multifacetados que a política externa brasileira enfrenta. A capacidade do Brasil de navegar por essas águas turbulentas dependerá de uma diplomacia ágil e de uma estratégia coesa.
A questão venezuelana, embora de menor volume financeiro em comparação com as exportações para os EUA, é simbólica de desafios regionais e da necessidade de proteger acordos comerciais estabelecidos. A falta de justificativa oficial por parte da Venezuela adiciona um elemento de imprevisibilidade que exige cautela e firmeza nas negociações.
A adesão à ação na CIJ, por sua vez, reflete um alinhamento com princípios de direitos humanos e direito internacional, mas também pode gerar atritos com parceiros importantes, como Israel e seus aliados. A decisão de intervir em um processo tão delicado demonstra a intenção do Brasil de assumir um papel mais proativo em questões globais, mesmo que isso implique em custos diplomáticos.
Por fim, a ameaça de tarifas americanas representa o desafio econômico mais significativo. Os Estados Unidos são um mercado vital para as exportações brasileiras, e uma taxação de 50% poderia causar perdas substanciais para diversos setores. A natureza política da suposta motivação das tarifas americanas, ligada a questões internas brasileiras, adiciona uma camada de complexidade e dificulta as negociações tradicionais de comércio.
Conclusão
O Brasil se encontra em um período de intensa atividade diplomática e econômica, lidando com pressões internacionais que testam sua capacidade de resposta e adaptação. A forma como o governo brasileiro gerenciará as relações com a Venezuela, seu posicionamento no conflito israelo-palestino e as negociações com os Estados Unidos moldará o futuro próximo de sua política externa e terá impactos diretos na economia nacional. A busca por soluções diplomáticas e a proteção dos interesses comerciais brasileiros são prioridades em um cenário global cada vez mais interconectado e volátil.