Uma das discussões mais acaloradas no mundo das finanças pessoais no Brasil gira em torno de duas figuras proeminentes: o influenciador digital Primo Pobre e a fundadora do Me Poupe!, Nathalia Arcuri. Ambos conquistaram uma enorme audiência ao abordar temas de investimento e economia, frequentemente direcionados a um público de menor renda. A polêmica principal, no entanto, reside na melhor estratégia para lidar com um financiamento imobiliário. Enquanto Primo Pobre defende a amortização das parcelas para quitar a dívida mais rapidamente, Nathalia Arcuri argumenta que o investimento é a opção mais vantajosa a longo prazo.Este artigo analisa em profundidade os argumentos de ambas as partes, explorando os dados financeiros, as nuances psicológicas e os riscos envolvidos em cada estratégia. O objetivo é fornecer uma visão abrangente e imparcial, capacitando o leitor a tomar a melhor decisão para sua realidade.
A Amortização: O Caminho da Liberdade Financeira?
A amortização, no contexto de um financiamento, significa adiantar o pagamento de parcelas, reduzindo o saldo devedor e, consequentemente, o tempo de quitação e o total de juros pagos. A principal premissa defendida pelo Primo Pobre é a busca pela paz de espírito e a eliminação do débito.Em um financiamento de 30 anos (360 meses), por exemplo, uma pessoa pode conseguir quitar sua dívida em 10 anos ao amortizar parcelas extras consistentemente. Essa estratégia é particularmente atraente para aqueles que sentem uma aversão profunda a dívidas. Como demonstrado por Primo Pobre, o desejo de não dever nada para ninguém pode ser um motor poderoso para a disciplina financeira.Como a amortização funciona: Ao fazer um pagamento extra, o valor é abatido diretamente do saldo devedor, sem a incidência de juros. Ao longo do tempo, isso acelera significativamente o processo de quitação, pois a parte da parcela destinada aos juros diminui, enquanto a parcela de amortização do principal aumenta, especialmente na Tabela SAC, a mais comum no Brasil.Exemplo Prático: Imagine um financiamento de R$ 320.000 a uma taxa de 10% ao ano, com parcelas iniciais de aproximadamente R$ 3.440. Se o devedor, além de sua parcela mensal, amortizar R$ 1.000 por mês, ele pode reduzir o prazo de 30 para pouco mais de 10 anos.O principal argumento psicológico por trás da amortização é a motivação. A cada pagamento extra, o devedor vê seu saldo diminuir e o horizonte de quitação se aproximar. Essa sensação de progresso pode motivar a pessoa a buscar renda extra, economizar mais e, em última análise, acelerar ainda mais o processo. É a recompensa imediata que impulsiona o comportamento, algo que investimentos de longo prazo nem sempre oferecem.
O Investimento: A Estratégia dos Juros Compostos
Nathalia Arcuri, por outro lado, baseia sua defesa na matemática pura e no poder dos juros compostos. Ela argumenta que, em muitos casos, o dinheiro investido pode render mais do que o valor que se economizaria em juros ao amortizar o financiamento. O principal conceito aqui é o custo de oportunidade do dinheiro.O que é o custo de oportunidade? É o valor do benefício que você abre mão ao escolher uma alternativa em detrimento de outra. Ao amortizar, o custo de oportunidade é o retorno que você poderia ter obtido se tivesse investido esse dinheiro.A lógica de Nathalia Arcuri é a seguinte: se a taxa de retorno de um investimento (líquida de impostos) for maior do que a taxa de juros do seu financiamento, investir é a opção financeiramente superior.Exemplo Prático: Considerando o mesmo financiamento de R$ 320.000 com juros de 10% ao ano. Se o devedor, ao invés de amortizar os R$ 1.000 mensais, os investir em um ativo que renda 12% ao ano, ele acumularia um patrimônio significativo em um período de 10 anos.Em um cenário onde a taxa Selic (taxa básica de juros do Brasil) está alta, como em meados de 2025 (15% ao ano), é possível encontrar investimentos em renda fixa, como Tesouro Direto pré-fixado, que oferecem retornos superiores aos juros da maioria dos financiamentos imobiliários.A estratégia de investir permite que o devedor construa um patrimônio líquido que, com o tempo, pode gerar renda suficiente para cobrir as parcelas do financiamento, eventualmente quitá-lo e ainda sobrar um valor substancial.O que é Tesouro Direto? Saiba como investir em títulos públicos federais com segurança e rentabilidade. (Fonte: Tesouro Nacional)
O Debate com Números e Realidade
Para entender quem está certo, é preciso ir além da teoria e analisar os números na prática.Cenário 1: Financiamento com Juros Baixos
Se o devedor conseguiu um financiamento com juros de 9% ao ano, e consegue um investimento que rende 12% ao ano (já descontando o imposto de renda), a diferença é clara.- Amortizando: Ao longo de 10 anos, ele teria quitado o financiamento.
- Investindo: Após 10 anos, ele teria um patrimônio que não só é suficiente para quitar o restante da dívida, mas também gera uma renda passiva mensal.
Cenário 2: Financiamento com Juros Altos
Atualmente, o cenário é diferente para novos financiamentos. Para quem não se enquadra no programa Minha Casa, Minha Vida, as taxas podem chegar a 13,5% ao ano. Se os investimentos disponíveis, como a renda fixa, oferecem retornos líquidos inferiores a essa taxa (por exemplo, 12% ao ano), a matemática muda.- Amortizando: Ao pagar a dívida, o devedor está essencialmente “economizando” juros a uma taxa de 13,5% ao ano.
- Investindo: Seu dinheiro renderia apenas 12% ao ano.
O Fator Psicológico e o Risco
O debate não se resume apenas a números. O fator emocional, como defendido pelo Primo Pobre, é crucial. A sensação de segurança e a motivação de ver a dívida diminuir podem levar a pessoa a se esforçar mais e a atingir o objetivo de quitação mais rapidamente. Para quem não tem disciplina ou não se sente confortável com dívidas, a estratégia da amortização é mais segura e, em muitos casos, mais eficiente do ponto de vista pessoal.No entanto, o vídeo de Gêmeos Investem aponta um risco sério e muitas vezes negligenciado na estratégia de Primo Pobre: a falta de uma reserva de emergência. Ao direcionar todo o dinheiro extra para a amortização, a pessoa pode ficar sem um colchão financeiro para imprevistos, como perda de emprego ou doenças.Os financiamentos imobiliários, por terem o imóvel como garantia, são implacáveis em caso de inadimplência. Após o atraso de três parcelas, o banco tem o direito de retomar o imóvel e leiloá-lo. Portanto, a estratégia de Nathalia Arcuri de primeiro construir uma reserva de emergência e só depois começar a investir (ou amortizar) é a mais prudente e segura.Quem está certo? A resposta, como em muitas questões financeiras, depende da situação individual.- Para quem tem um financiamento com juros altos (acima do que os investimentos em renda fixa oferecem) e/ou se sente emocionalmente oprimido pela dívida, a estratégia de amortização é a mais recomendada. Ela oferece uma sensação de controle, paz de espírito e é matematicamente vantajosa nestes casos.
- Para quem tem um financiamento com juros baixos (como os do programa Minha Casa, Minha Vida) e tem disciplina e sangue frio para lidar com dívidas, a estratégia de investimento é a mais lucrativa. Ela constrói patrimônio, gera renda passiva e oferece maior liberdade financeira a longo prazo.